
Das muitas reflexões que a pandemia de Covid-19 proporcionam ao mundo do trabalho, tenho me dedicado a analisar com atenção redobrada a contribuição dos profissionais de Comunicação Corporativa. São semanas e semanas de uma crise que desafia marcas, empresas e organizações a agir sem referências anteriores para tomar decisões complexas. Mas como em muitos setores da vida corporativa, na comunicação, a pandemia está desvelando limites e dificuldades que precisam ser superadas para que a área tenha sentido e continue existindo.
Frases como: “a comunicação nunca foi tão importante e demandada como nesses tempos de crise”; “mandamos muitas informações, mas as pessoas não prestam atenção, não entendem”; “Pessoas de diferentes setores dão opinião sobre a forma como a comunicação deve acontecer” e tantas outras, revelam que Comunicação Corporativa vive em uma verdadeira gangorra. Entre ser hiper demandada e imprescindível a parecer ineficaz e lenta demais para atender o burburinho contemporâneo, se estabelece um cotidiano entre o céu e o inferno.
Trocar o operacional e o intempestivo pela gestão estratégica
O que vem à tona nesses momentos extremos são situações mal resolvidas ao longo do tempo. A atuação operacional e intempestiva definiu, ao longo do tempo, o caráter da Comunicação Corporativa. Sem uma visão estratégica e metodologias consistentes, os profissionais se transformaram em “fazedores de encomendas” pensadas e planejadas por outras áreas.
Responsabilidade da alta direção? Responsabilidade dos gestores e profissionais de comunicação? Até podemos dividir e colocar um pouco na conta de cada um. Mas por ser da área, convido os comunicadores a uma reflexão maior e afirmo sem temor: nós é que construímos esse lugar operacional e abrimos mão de refletir. Aceitamos a condição de executores de fórmulas prontas, de cumpridores de ordens e optamos pelo conforto de reclamar aos quatro cantos, declinando do convite de sermos pensantes e estratégicos. Não faltaram alertas. Nesse momento é imperativo mudar.
Os elogios e reconhecimentos recebidos pela bonita campanha, pela mídia espontânea conquistada em uma abertura de página de um jornal ou no topo de um portal importante de notícias, pelas postagens em redes sociais, alimentam o ego, mas cegam os profissionais para seu próprio desempenho. Gestores e equipes de comunicação corporativa planejam pouco, boicotam seus próprios planejamentos, fundamentam de forma precária seus projetos, defendem ideias com insegurança e sucumbem diante dos argumentos técnicos de outras áreas. Um quadro difícil de encarar para todos nós, muitas vezes dramático, mas em vias de esgotamento.
É claro que, embora raras, há gloriosas exceções para nos inspirar na transformação que já era necessária antes da crise da pandemia, mas que agora se tornou urgente. São os bons exemplos que constatamos em algumas organizações e as reflexões feitas nas comunidades profissionais que nos levam a uma tentativa de identificar quais deveriam ser, hoje, os pilares de uma área de Comunicação Corporativa com perfil estratégico. No intuito de contribuir para a ressignificação da Comunicação Corporativa, arrisco sistematizar essas bases essenciais para uma nova atuação.
SEIS PILARES DA COMUNICAÇÃO CORPORATIVA ESTRATÉGICA
- Foco na gestão da reputação – razão de existir da área de Comunicação Corporativa é a gestão da reputação de uma marca, um projeto, uma organização. E são quatro subsistemas fundamentais: criar, manter, proteger e recuperar a reputação. Cada um deles exige um conjunto de estratégias diferentes, com seus respectivos conjuntos metodológicos e técnicos. O gestor de comunicação deve compreender, claramente, em qual subsistema está conectando suas estratégias a cada momento.
- Leitura e análise constante do cenário interno e externo – Não basta intuição e domínio dos recursos técnicos. É preciso ter critérios claramente definidos para compreender, em tempo real, permanentemente, as relações e contextos que têm impacto sobre a marca / organização. Os relatórios de monitoramento de mídias sociais, mídia espontânea, resultados comerciais ou até as conversas com os gestores podem ajudar, mas não são suficientes. São as análises de cenário somadas ao estudo de tendências e comportamentos sociais que dão ao gestor de comunicação a segurança de recomendar e construir soluções adequadas e produtivas.
- Definição de objetivos, estratégias e metas de resultado – Não há nada que possa ser feito em comunicação que não deva ser mensurado. Mas não é possível mensurar se as metas não são claras e diretamente associadas aos objetivos da marca / organização. Só assim, é possível definir estratégias, ou seja, caminhos claros e coerentes que precisam ser percorridos para chegar a resultados significativos nas dimensões técnica, humana e estratégica, além de duradouros. E a definição de objetivos, estratégias e metas é trabalho cotidiano do gestor de comunicação. Com ações pontuais, operacionais e reativas motivadas apenas pela oportunidade que surge, pela vontade de um ou outro decisor ou por intuições desordenadas de profissionais da área, chega-se a um cotidiano quase insuportável de um refazer infinito que gera a perda de credibilidade e o desestímulo irrecuperável das pessoas envolvidas.
- Execução disciplinada de projetos, planos e ações – Viver o dia e reiniciar a jornada do ponto zero no dia seguinte torna a Comunicação Corporativa quase esquizofrênica. Mesmo as ações urgentes e não planejadas precisam ser percebidas e lugarizadas no processo global de gestão de reputação. Os planejamentos bem feitos devem ser executados com a mesma qualidade com a qual foram produzidos. Metodologias consistentes e acompanhamento rigoroso de resultados de cada processo devem ser princípios de atuação da área para que seja levada a sério pela alta direção e pelos demais espaços da organização.
- Consultoria interna de uma equipe qualificada e comprometida – Esse parece ser um ponto óbvio, afinal, qualquer equipe corporativa precisa de equipes qualificadas e comprometidas. Mas o que significa uma equipe qualificada para a Comunicação Corporativa? Diversidade etária, perfis e formações em distintas áreas do conhecimento, diferentes graus de senioridade e um ambiente de permanente aprendizado são fundamentais para responder aos movimentos constantes do mundo, do comportamento e da tecnologia. Não se pode esquecer, porém, o ponto central: para ser estratégica, a comunicação precisa ser, fundamentalmente, pensante. Os profissionais devem agir como consultores internos em formação permanente e desafiados a criar fora do óbvio, mobilizados para apresentar soluções arrojadas com execução disciplinada e resultados efetivos.
- Diálogo qualificado no processo decisório interno e externo – Por fim, gestores e profissionais de Comunicação Corporativa são líderes no processo comunicacional em permanente interlocução com quem está no espaço decisório, seja no ambiente interno ou externo da organização. São negociadores e articuladores em diferentes níveis nos quais atuam. De nada adianta queixar-se de serem incompreendidos ou irritar-se com a intromissão / opinião de profissionais de outras áreas se não tiverem clareza de propósito, estratégia e metodologia, além de conhecimento consistente, para dialogar com os diferentes interlocutores.
Embora pareçam desafiadores, os seis pilares da Comunicação Corporativa Estratégica ressignificam a área e a libertam do equívoco de uma operação com pouca inteligência agregada e de uma sobrecarga marcada pelo retrabalho e pela baixa valorização. Agora é a hora de dar a virada. Na crise provocada pela pandemia de Covid-19, a área, que é tão necessária em todas as crises, precisa dizer a que veio e mostrar bem mais que um arsenal técnico frágil e repetitivo.
É hora de parar tudo e trabalhar para se reconstruir porque outra Comunicação Corporativa não só é possível como necessária.