CRISES DE REPUTAÇÃO QUE MARCARAM 2019

AS DUAS MAIORES CRISES (1/10)

Marcas, governos, pessoas públicas  tiveram sua reputação ameaçada em decorrência de eventos que se tornaram públicos no último ano da década. O ano de 2019 foi rigoroso com os erros de gestão, com a má conduta, com a falta de prevenção e de planejamento de muitas organizações. Atitudes equivocadas e omissões, entre outras situações dizimaram a boa vontade em relação a empresas, celebridade, políticos.  

Relembrar as crises que marcaram o ano é importante para apoiar as organizações em seus processos preventivos. Esse é o intuito do levantamento feito pela Verity Consultoria – Cultura do cuidado para Prevenção e Gestão de Crise. Em 10 textos vamos relembrar alguns dos fatos de grande repercussão e aprender com eles.

Começamos essa jornada de aprendizagem pelas duas crises que foram escolhidas como as maiores de 2019 pela equipe da consultoria. As análises vão se concentrar em três pontos: a gestão da crise, a comunicação da crise e a atuação do porta-voz.

A primeira delas, de forte impacto no Brasil, foi provocada pelo rompimento da barragem de rejeitos da Vale, em Brumadinho (MG). O evento resultou em 255 mortes e ainda são 15 os desaparecidos. A tragédia superou o número de vítimas de outro acontecimento nacional que mobilizou a atenção do mundo em 2013, o incêndio da Boate Kiss, em Santa Maria (RS), que registrou 242 mortes e liderava o ranking de crises com vítimas na história recente do Brasil.

A segunda, uma crise provocada por má gestão e que assumiu contornos dramáticos no mundo dos negócios: a crise da Boeing Co. A Companhia, fabricantes de aeronaves comerciais e militares ocupava, no início de 2019, a liderança inconteste como principal empresa aeroespacial do mundo e enfrentou um dos anos mais difíceis de sua história. Ao menos dois dos quatro principais valores de sua marca foram contestados. Em sua visão geral a Boeing promete: conectar, proteger, explorar e inspirar. Depois dos acontecimento de 2019, proteger e inspirar estão sob judicie da opinião pública.

Rompimento da barragem de Brumadinho – O ano começou assustando a sociedade com mais uma crise no passivo reputacional da mineradora Vale. Foi o rompimento da barragem de rejeitos de mineração, em Brumadinho (MG), no dia 25 de janeiro de 2019. A tragédia contabilizou 255 mortos e 15 desaparecidos. O mar de lama formado por 12 milhões de metros cúbicos de dejetos destruiu as instalações da empresa, com dezenas de funcionários dentro, uma pousada, casas e estradas e retirou, em definitivo, a reputação da Vale de um lugar especial.

A Companhia, que tem como o valor número 1: a vida em primeiro lugar, ainda juntava os cacos da tragédia da Samarco, em Mariana (MG), na qual a Barragem do Fundão se rompeu em 5 novembro de 2015 provocando 19 mortes.

Com Brumadinho, a lama também arrastou a reserva de boa vontade e a confiança da população brasileira com a empresa. Sim, o impacto econômico pode ter sido mínimo e os resultados financeiros até melhoraram, mas aquele orgulho pela força da marca foi embora. Tal como o que se viveu com outras grande marcas brasileiras envolvidas em crises das mais diversas ordens, trabalhar ou ter trabalhado na Vale, fazer negócios com a empresa, ter um parente atuando na companhia ou até o simples fato de ter a mesma cidadania da marca já não enche a boca de ninguém. Pelo contrário, há quem esconda o vínculo para não ter que dar explicações.      

No rastro da lama, também foi comprometida a reputação da certificadora alemã, Tüv Süd. A empresa de consultoria e projetos tem como slogan: Mais segurança, mais valor

A gestão da crise – Com umprejuízo direto de quase dois bilhões de dólares, a gestão da crise de Brumadinho pareceu um pouco melhor que a gestão da Samarco. Resposta ágil, atendimento à comunidade afetada e, em alguns momentos, até oferta de indenizações antes mesmo das decisões judiciais. De qualquer forma, equívocos ainda aconteceram em abundância. Com menos de 100 corpos resgatados da lama, a empresa já declarava as ações de pós-crise. Mal sabia que teria muito a responder, especialmente, sobre as omissões que levaram ao acontecimento. Ainda no mês de dezembro, um laudo de auditoria externa apontou a liquefação dos resíduos – não tratada pela Vale – como causa do rompimento. Pouca transparência sobre a gestão do risco e a tomada de decisão da empresa comprometeram a gestão da crise.  

A Comunicação da crise – Indiscutivelmente melhor gerenciada que a crise da Samarco, em 2015, Brumadinho contou com um pacote básico de comunicação pra crise. Metasite, comunicados sistemáticos, respostas nas mídias sociais e diálogo com o poder público podem ser vistos como ações extraordinárias em um país que não tem a cultura de uma comunicação efetiva e transparente nos eventos extraordinários, mas mostrou ser um pacote mínimo. A campanha publicitária veiculada em rede nacional que pretendia esclarecer/prestar contas sobre os reparos promovidos pela empresa após o acidente, foi duramente criticada nas redes sociais. A linguagem publicitária se mostra inadequada para esse tipo de momento e acaba por sugerir que, secundariamente, a empresa está tentando limpar sua barra e melhorar a imagem.

O porta-voz – Inicialmente assumida pelo então presidente da empresa, Fábio Schvartsman, a gestão de porta-voz da Vale mostrou ser um dos pontos falhos mais gritantes da gestão da crise. Mesmo agindo, inicialmente, com disponibilidade e dando ao assunto a gravidade merecida, o CEO era o único porta-voz, tanto nas questões políticas quanto técnicas. Aconteceu o que se poderia prever: cansou e perdeu a paciência muito rapidamente. Faltou porta-vozes técnicos para distribuir o atendimento a tantos interlocutores que buscavam informações. No fim das contas, mesmo antes da queda do CEO, o porta-voz que assumiu destaque na crise foi tenente Pedro Aihara, de 25 anos. Com uma voz tranquila, fala articulada, aspecto sereno, o tenente, se tornou a face da atuação do Corpo de Bombeiros de Minas no resgate das vítimas da tragédia da Vale, em Brumadinho.

Alguns links para relembrar

O 737 Max e o impacto sobre a líder Boeing – Omissão, ganância e ausência de cultura de segurança estão sendo apontados como os principais causadores da crise da Boeing Co – líder entre as quatro maiores fabricantes de aeronaves do mundo. Em menos de um ano, a sucessão de eventos desencadeados pelas falhas na aeronave modelo 737 Max, após dois acidentes aéreos, jogou a marca em um verdadeiro inferno reputacional.

Especialistas já falam em possível falência da, até então, líder mundial em vendas de avião. Se não chegar a isso, ao menos é certo que os erros de desenvolvimento do produto já mancham a história da linha 737 da empresa. A Companhia termina o ano anunciando, oficialmente, que interrompeu a fabricação do modelo  de seu bimotor de corredor único. O Boeing 737 MAX é a quarta geração do 737 – destinada a voos curtos e de médio alcance.

Para relembrar o início da crise é preciso retornar a outubro de 2018. Foi nesse mês que um 737 Max da companhia Lion Air, com apenas três meses de uso, caiu na Indonésia e deixou 189 mortos. A Boeing, que não se pronunciou na ocasião, começou o ano de 2019, logo em março, sendo convocada a explicar a queda do voo ET 302 da Ethiopian Airlines, que ocorreu no dia 10 de março, provocando a morte de 157 passageiros. Tal como a aeronave Lion Air, o ET 302 tinha apenas alguns meses de uso.

A gestão da crise

Diante das evidências dos problemas no 737 Max, as agências reguladoras de diversos países obrigaram as companhias aéreas, clientes da Boeing, a deixar suas aeronaves em solo provocando prejuízos quase incalculáveis e restringindo a operação de muitas companhias. A demora na tomada de decisão de rever o software, os mecanismos de segurança e outros problemas que poderiam ter sido os causadores dos acidentes gerou desconfiança adicional em relação à Companhia, agravada pelas sucessivas alterações de cronograma para entrega da solução que acabou não acontecendo em 2019. Admitir os problemas ainda em outubro de 2018, acelerar os ajustes e re-certificar a aeronave teria amenizado dúvidas e prejuízos.

A Comunicação da crise

A crise da Boeing provou que comunicação e gestão são as duas faces da mesma situação vivida. Assim como a tomada de decisão foi truncada, a comunicação também pecou pelo atraso. Mesmo depois do segundo acidente, a companhia só admitiu problemas de forma completa e com um tom mais humilde, em outubro de 2019, quando convocado pelo Congresso Norte-Americano. Antes disso, muitas notas, comunicados e esclarecimentos, mas poucos reconhecimentos. Os meses perdidos não puderam ser recuperados. Em dezembro, a empresa foi escolhida pelo portal 24/7 Wall Street , como a pior gestão no mundo em 2019.

O porta-voz

Nos dois dias de audiência no Congresso Norte Americano, o rosto da Boeing foi o do presidente executivo da companhia, Dennis Muilenburg. Ele começou sua manifestação com um pedido de desculpas. Dos 22 press releases disponíveis na sala de imprensa do portal da Boeing Co., sete trazem a voz do CEO e no canal de vídeos da plataforma You Tube, Muilenburg está em quatro dos cinco vídeos.

Próximos artigos:

AS CRISES DE REPUTAÇÃO QUE MARCARAM 2019

(2/10) Momentos difíceis na reputação das celebridades

(3/10) Crises de má conduta

(4/10) Causas sociais e eventos críticos

(5/10) Crises no mundo dos negócios

(6/10) Ano difícil para a educação básica e superior

(7/10) Ambiente tecnológico digital

(8/10) Na política nacional

(9/10) Na política internacional

(10/10) Inclassificáveis