Gosto de pensar a ambiência digital que toma conta de nossas vidas como um território sem lei. Uma espécie de Velho Oeste Norte-Americano, no qual as armas disparam antes mesmo de um reconhecimento cuidadoso do oponente ou das situação de perigo.
Nas redes sociais, que midiatizam o nosso cotidiano, antes mesmo de uma leitura minuciosa ou uma reflexão cautelosa já se dispara a primeira ofensa, seguida de grosseria, de agressividade e de acusações, lançando mão, inclusive, de termos chulos e de um nível de violência verbal e simbólica desproporcional ao fato que serviu como gatilho para a emoção desencadeada.
Em tempos de sociedade aberta em que as pessoas se empoderam para conversar publicamente sobre todo e qualquer assunto, é necessário que vozes lúcidas entrem e permaneçam no diálogo público, sob pena de permitir que a barbárie tome conta desse novo espaço social.
Aquilo que era dito nas conversas privadas, nas rodas de café, ou seja, na esfera íntima, de forma despretensiosa e pouco responsável ganhou lugar na mídia social. Gradualmente, assumem o espaço de falas autorizadas, de conversas sérias e de opiniões bem fundamentadas.
Pela observação do cotidiano nas redes sociais, é possível ver que marcas, empresas e organizações, assim como especialistas, estão abrindo mão de se posicionarem para não se misturar com a horda de falastrões, às viralizações artificializadas por sistemas de robôs, aos palpiteiros e aos tudólogos que assumem lugar de destaque nas mídias que impregnaram nosso dia a dia, mas que não conseguimos entender muito bem.
Desistir não é uma opção. As vozes lúcidas, consistentes e bem posicionadas não podem abrir mão do espaço legítimo para dar lugar a quem tem pouco a dizer, mas grita tão alto no ambiente digital que sufoca quem não precisa elevar o tom para ser ouvido.
Dois casos recentes de dimensões e áreas diferentes servem para aprendermos um pouco mais sobre como fazer para conter a histeria nas redes sociais.
O primeiro deles é bem recente e corriqueiro. O recall de uma peça usada por alpinistas e vendidas pela marca mundial Decatlhon. Seguindo a lógica usual de sua comunicação de fatos positivos, a marca convocou os clientes e detalhou de forma rigorosa o problema. Como não poderia deixar de ser, compartilhou a informação em seus canais de redes sociais. Em meio a mais de 90% de reação positiva dos internautas, restou espaço para comentários agressivos, repletos de citações de ódio.
A marca, exemplarmente, respondeu um a um com comentários personalizados e gentis, com todas as informações necessárias. Rapidamente, foi contornando a expressão do ódio e fez prevalecer seu posicionamento reafirmado nas respostas aos mais de 350 comentários.
O segundo caso envolve a Rede de Colégios Maristas no RS. Depois de ver uma de suas escolas envolvida em situações de crise decorrentes dos conflitos entre alunos, motivados pela polarização política entre pais de esquerda e de direita, o presidente da Rede se manifestou. O posicionamento, embora tardio, apoiou e deu argumentos aos que defendiam a escola e seus processos administrativos e pedagógicos.
Esses exemplos breves em um universo de muitos casos que diariamente se registra nas organizações nos ajudam a entender o porquê e como as organizações devem se posicionar.
PORQUE SE POSICIONAR NAS REDES SOCIAIS
- As empresas, marcas e pessoas públicas precisam prestar contas à sociedade no ambiente midiático no qual ela dialoga, portanto é inevitável estar nas mídias que abrigam as redes sociais.
- Mesmo as marcas que escolhem não ter seus canais nas redes, acabam presentes nas conversas entre os internautas. Portanto, são convocadas a ouvir e falar, afinal dependem de seus relacionamentos e reputações.
- Diferente do que acontecia há alguns anos, a marca / empresa / pessoa pública deixou de ser a única dona da voz e dona da verdade. Ninguém mais será unanimidade em uma sociedade aberta. Então, é melhor se acostumar com as críticas e com os questionamentos.
- Ao se manifestar, a marca apoia e ajuda a construir os argumentos de quem a defende. Em casos polêmicos, há muitas marcas que ao se omitirem perdem aliados porque se a própria empresa / marca / personalidade não se defende e prefere o silêncio, por que seus defensores vão gastar energia e se desgastar em seu nome?
- Na internet não há direito ao esquecimento, portanto, é muito melhor que sua marca seja lembrada por ter se posicionado e solucionado uma situação crítica do que por ser omissa. No segundo caso, vai prevalecer a opinião de quem fala mal de você.
COMO A MARCA PODE DIALOGAR NAS REDES SOCIAIS
- Na hora da controvérsia, a identidade da marca ou da organização é seu principal argumento. Portanto, o conteúdo do posicionamento e do diálogo deve ser a reafirmação do que a empresa é em tempos de calmaria.
- Ter uma política clara de relacionamento em suas canais de comunicação é imprescindível. Com transparência, é preciso deixar claro que existem regras e que elas devem ser respeitadas. Quem ferir as regras e passar dos limites pode e deve, sim, ser ocultado e banido.
- Responder um a um é sim importante. Se a marca ou empresa está presente em determinadas mídias sociais, ela não está ali apenas para falar, ou seja, para divulgar suas boas notícias. Também precisa ouvir as críticas, sugestões e questionamentos e deve responder para explicar sua mensagem a quem por ela se interessas, positiva ou negativamente.
- Múltiplas linguagens são importantes. Precisamos esquecer os tradicionais comunicados ou notas de esclarecimentos que só traziam longos textos. É preciso usar a linguagem da mídia na qual estamos dialogando. Além de textos, os cards, vídeos, áudios e outras linguagens devem ser usadas para sensibilizar nossos interlocutores.
- Tenha uma ótima política e um bom processo de gestão dos temas críticos nas mídias sociais. É isso mesmo! Ninguém consegue lucidez e rapidez suficientes para agir com inteligência na hora que está sob ataque. É preciso pensar, escrever, planejar antes e deixar tudo pronto. Mesmo que nunca venha utilizar o material.
Observando as dicas acima e tendo a política e o processo de gestão das crises claramente definido, o posicionamento é consequência. Quando vozes lúcidas se mantiverem firmes e abertas a dialogar com inteligência e humildade, gradualmente resgataremos o papel originalmente destinado às mídias e redes sociais: o de um diálogo aberto e respeitoso entre quem tem opinião distinta. Coabitar nas redes sociais será, então, possível e saudável.