
A notícia que circulou no Brasil no início dessa semana sobre a multa milionária que será paga pela concessionária de TV por assinatura e internet banda larga SKY ao Procon-SP pela campanha do produto Sky-Livre de 2011 a 2015, me animou a organizar o texto dessa semana. Sem aprofundar a crise vivida pela Sky, quero colocar na pauta um reflexão que venho fazendo com muitos colegas da área: o que se entende por comunicação nos tempos digitais dessa nossa sociedade hiperconectada em rede?
Mais, como os gestores e profissionais de comunicação corporativa percebem e atuam no ambiente que circunda as marcas, empresas e organizações em tempos de palavra distribuída, empoderamento generalizado e tempo ressignificado?
O resultado da observação cotidiana não anima. A grande maioria dos profissionais de comunicação corporativa continua agindo de forma completamente analógica. Ainda raciocinam em termos de briefing, de campanhas, da publicação e envio de informações, ou seja ainda pensam como nos velhos tempos em que comunicar era mandar informações e mensagens persuasivas para um receptor passivo. Tempos em que as empresas publicavam as suas “verdades” e ninguém contestava. Tempos em que as mensagens das grande marcas e empresas eram verdadeiros dogmas acima do bem e do mal.
Pois bem! A má notícia é que esse tempo do glamour e da supremacia da marca acabou. Tudo mudou na era digital e os gestores de comunicação também precisam mudar.
Ativações não podem ser apenas um codinome para as campanhas. Os milhares de termos em inglês que emergem do ambiente digital não devem ser novas denominações para velhas práticas da comunicação instrumental baseada no mix, nos canais e nas mensagens.
Na lógica digital não basta cuidar da imagem, é preciso construir a reputação – desafio muito mais difícil e demorado –, as campanhas não repercutem como antes e, muitas vezes se perdem no meio da poluição urbana e midiática sem gerar impacto. Os canais, por representarem basicamente o fluxo unilateral perderam a importância. Mais, as mensagens das marcas e empresas passam cotidianamente pelo crivo da coerência. Ser é mais importante do que dizer o que se é ou como se é.
Então, o que caracteriza a comunicação estratégica na lógica digital? E como gerenciar? Muita coisa poderia ser dita aqui, mas podemos começar com três itens básicos:
- Jogo Limpo – Tudo está transparente. As marcas precisam jogar limpo. Falar sobre suas boas e más notícias, se defender quando atacadas, ter posicionamentos claros e dialogar nos momentos bons e ruins. Parece simples e óbvio né? Mas estamos há anos luz dessa simplicidade. Na hora dos diálogos difíceis falta prática, estratégia, coragem e sobra arrogância e autoritarismo. Na maioria dos casos, opta-se pelo silêncio, ignorando que o silêncio comunica mais do que o conjunto barulhento de mensagens.
- Profundo respeito ao ser humano – Outra obviedade? Pode até ser, mas muito necessário reafirmar porque esse princípio inda está longe das práticas. Admitir que marcas e empresas se relacionam, o tempo todo, com infinitas diversidades, com sujeitos empoderados e com o poder da mídia na ponta dos dedos exige estratégias sofisticadas que não podem menosprezar a capacidade cognitiva e a dimensão emocional dessas pessoas. É fundamental que a comunicação na era digital tenha um tom conversacional e seja coerente e constante. As afirmações e exclamações precisam dar lugar às interrogações que abram oportunidades para as pessoas interagirem com a marca.
- Gestão estratégica e não só operacional – O profissional de comunicação corporativa deve carregar o complemento: estratégico não só como um adjetivo e nas reivindicações de lugar de fala e espaço junto ao poder de decisão. Deve ser efetivamente muito mais do que um gestor de rotina ou um produtor em série de planos de ação. É preciso pensar, pensar, pensar. Objetivos são importantes, mas metas e indicadores fundamentais, mesmo nas questões de profundidade humana; Cronogramas dão segurança, mas fazer a leitura de cenários em mudança e ajustar a rota no desenvolvimento da estratégia é questão de sobrevivência; Indicadores consistentes e monitoramento constante devem ser a bússola cotidiana do trabalho. Enfim, propor, arriscar, contrariar o óbvio, estudar e sustentar a rotina comunicacional de uma marca ou empresa, tendo clareza de onde se busca chegar deve estar no propósito cotidiano do gestor da área.
Olhar para esses três princípios é um bom começo para fazer a travessia da comunicação analógica para a digital. Como você deve ter percebido, estamos chegando ao fim do texto sem ter falado em plataformas, recursos técnicos, novidades funcionais. Pensar a comunicação corporativa estratégica para o mundo digital é muito mais mudar radicalmente o olhar que se tem da área do que incluir novos recursos ou “ferramentas” em um modo superado de enxergar o que é comunicação.
Mas atenção! Não comece a mudança pela adoção de novos nomes e termos para designar seus velhos processos. Exercite a mudança de olhar, crie novos pressupostos, eduque seus executivos, tenha políticas claras que sustentem o novo olhar e, só então faça as estratégias alinhadas à lógica do digital e comece a agir.